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Aktion T4: EUGENIA E EUTANÁSIA NA ALEMANHA NAZISTA

 United States Holocaust Memorial Museum - Copyright: Public Domain

nazismo eutanásia

Castelo Hartheim, na Áustria, foi um dos centros de eutanásia do regime nazista

Por Guga Dorea [1] 
Publicado em
10 de junho de 2021

O programa Aktion T4 antecedeu o Holocausto e foi a primeira campanha de assassinato em massa do regime nazista. A internação forçada e a eutanásia de pessoas, chamadas na época de deficientes físicos e mentais, atendia às aspirações eugenistas de Hitler de alcançar a “raça pura ariana”


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Confira os livros que abordam o A T4 ou inspiram filmes


[1] Guga Dorea é jornalista e sociólogo, com mestrado e doutorado em Sociologia pela PUC-SP. Atua como investigador social e pesquisador na área da Filosofia da Diferença. É formador de professores para a inclusão, além de idealizador e desenvolvedor, desde 2012, da  Oficina da Palavra e da Escrita Criativa Todos na Diferença para Pessoas com Deficiência, entre outras pessoas que queiram construir suas histórias de vida através da escrita. É também pai do Thiago, que tem a Síndrome de Down, e da Joyce. Nas horas vagas é poeta. É autor dos livros "Singularidades Poéticas" e "A Síndrome de Down como você nunca viu: relato profundo de um pai educador".

Nota: para entrar em contato com o autor ou adquirir seus livros, envie um e-mail para gugadorea57@gmail.com


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[2] Ernst Klee. Dokumente zur "Euthanasie", Frankfurt,1985

 

 

Há momentos em nossa História que jamais devem ser esquecidos. E o nazismo é um dos mais trágicos dessa lista. Porém, muito pouco se fala de um triste episódio, que ocorreu no transcorrer do Terceiro Reich. Estamos falando do conhecido como Aktion T4. Beirando a uma quase invisibilidade, trata-se de um programa de eugenismo e de eutanásia da Alemanha nazista, que previa o assassinato de pessoas consideradas “perigosas”.


O objetivo do AT 4 foi o de matar Pessoas com Deficiência ou, como foi chamado naquele período, pessoas com doenças mentais consideradas incuráveis ou com idades bem avançadas.


No Mein Kampf, Adolf Hitler escreveu que pessoas física e mentalmente inferiores poderiam perpetuar de forma hereditária a sua condição para as futuras gerações, transformando-se em um perigo para o que ele chamava de “raça pura ariana”.


Na prática, tudo começou no início de 1939, quando os pais de uma criança com cegueira e deficiência física, que nasceu nas proximidades de Leipzig, pediram permissão para assassinar seu filho, no que denominaram como sendo um "golpe de misericórdia".


Esse precedente abriu as portas para que Hitler criasse o “comitê do Reich para o registro cientifico de doenças hereditárias e congênitas”, liderado pelo medico Karl Brandt. Foi o ponta pé inicial para que o AT 4 começasse a ser colocado em prática, em outubro de 1939, com a assinatura do “decreto da eutanásia”.


O decreto foi o estopim que Hitler necessitava para criar o seu programa de aniquilamento de crianças com deficiência. Com a oficialização do AT 4, o ministério do Interior alemão passou a exigir que médicos e mesmo parteiras denunciassem todos os casos de recém-nascidos e de até 3 anos de idade, que apresentassem pequenos sinais de possíveis deficiências graves.


Entretanto, bastava que essas pessoas apresentassem pequenos sinais de “incapacidade” mental ou física para entrarem na lista de pessoas “perigosas”. No início, eram mortos bebês recém-nascidos. Com o tempo, entretanto, jovens de até 17 anos foram inseridos no programa de eutanásia de forma secreta.


CENTROS DE EXTERMÍNIO


O programa Aktion T4 foi uma triste realidade nos primeiros anos da guerra. O nome T4 era a abreviação de Tiergartenstraße 4, o endereço de uma casa no bairro Tiergarten em Berlim, que foi a sede do que no Brasil foi traduzido ironicamente como "Fundação de Caridade para Cuidados Institucionais".


Em linhas gerais, foram criados seis “centros psiquiátricos de extermínio”, para onde os alemães eram forçados a levar essas pessoas e entregá-las aos médicos nazistas para a realização da “limpeza étnica”. Além de microcefalia, hidrocefalia, malformações genéticas, surdez e cegueira, entre outras das intituladas deficiências, as pessoas com Síndrome de Down entraram na lista dos que deveriam ser aniquilados.


Nunca é demais dizer que essas pessoas eram chamadas na época de “idiotas mongoloides”, devido à semelhança física com o povo mongol, considerado na época como povo “inferior, primitivo e em estado regressivo de evolução”. Convém frisar que, naquela época, não havia sequer a distinção entre deficiência e doença mental. Essa distinção, talvez não por coincidência, só veio a acontecer após a Segunda Guerra Mundial.


National Archives and Records Administration, College Park - Copyright: Public Domain

Cópia de carta original assinada por Adolf Hitler autorizando o programa T4 (Eutanásia). No texto, o ditador nazista confere responsabilidades ao líder do Reich Philipp Bouhler e ao médico Ernst Brandt para ampliar a competência de alguns médicos na concessão da "morte de misericórdia" a pacientes considerados incuráveis

AÇÕES CLANDESTINAS


Para não correr o risco de manifestações populares contrárias ao programa, o próprio Hitler ordenava que o T4 não estivesse com a rubrica de sua chancelaria. Mesmo assim, ocorreram muitos protestos, a maioria orientada pela Igreja Católica Alemã. A oposição a essa crueldade foi tão forte que Hitler decidiu cancelar o projeto em 1941.


Entre 1939 e 1941, foram mortas mais de 70 mil pessoas. Mais tarde, entretanto, uma pesquisa [2] revelou que muitos médicos continuaram, de forma clandestina, com esse processo de eutanásia até a derrocada do Nazismo, em 1945.


No total, segundo essa pesquisa, foram mortas em torno de 275 mil pessoas. Essas mortes ocorreram por medicação, nas câmaras de gás ou mesmo por desnutrição e fome.


O AT 4 ficou conhecido na História como o episódio que antecedeu ao conhecido como Holocausto. É importante frisar que essas ideias eugenistas não se iniciaram com o nazismo. Em muitos países ocidentais as ideias de esterilizar pessoas consideradas antissociais por questões genéticas já eram realidade desde o inicio do século 20, inclusive nos Estados Unidos. Só para citar um exemplo, já havia uma dinâmica de eugenia nas escolas americanas. 

United States Holocaust Memorial Museum, courtesy of Hedwig Wachenheimer Epstein - Copyright: Public Domain

Karl Brandt (1904–1948) filiou-se ao Partido Nazista em 1932 e tornou-se médico pessoal de Adolf Hitler. Foi selecionado por Philipp Bouhler, chefe de gabinete da Chancelaria, para administrar o programa Aktion T4. Com o término da Segunda Guerra Mundial, Brandt foi acusado de crimes de guerra, incluindo experimentos em humanos. Foi formalmente indiciado em 1946 e levado à corte no julgamento conhecido como "processo contra os médicos" do Tribunal de Nuremberg. Condenado, Brandt foi sentenciado à pena de morte e enforcado em 2 de junho de 1948

CAPACITISMO NO BRASIL ATUAL


É muito comum escutarmos que a História jamais se repete, pelo menos não da mesma forma. No entanto, segundo o pensador e educador brasileiro, Paulo Freire, lembranças do passado são imprescindíveis para não serem repetidas no presente e podermos pensar em um futuro diferente.


Nesse contexto, queremos frisar que não se trata de afirmar que o atual governo brasileiro tenha pensado ou planejado atos desumanos como esses que ocorreram no triste período retratado neste artigo. Por outro lado, é fato que a máquina ideológica do atual governo federal aproximou-se temerosamente de ideias capacitistas ao tentar mudar por duas vezes a legislação em relação às Pessoas com Deficiência.


No dia 26 de novembro de 2019, o governo brasileiro lançou o Projeto de Lei 6.159/19 (felizmente não aprovado pelo Congresso Nacional), que eximia empresas de mais de 100 funcionários a cumprirem a Lei de Cotas (Lei 8213/91) em relação às Pessoas com Deficiência. Na proposta governamental, a empresa poderia, ao invés de contratar, destinar recursos para o governo investir em clínicas de reabilitação.

 

No caso do Brasil de 2021, seria trocar o direito ao trabalho pela ideia de que deficiência é sinônimo de doença e, portanto, é caso de clinicas de reabilitação e não de direitos iguais. Está nas entrelinhas desse projeto, a crença capacitista de que Pessoas com Deficiência são geneticamente inferiores e, portanto, incapazes de trabalhar.


O governo federal também lançou o Decreto-lei 10.502/2020, que previa a volta da chamada Educação Especial para Pessoas com Deficiência, em outra tentativa de retrocesso na luta por uma educação realmente inclusiva. O decreto foi barrado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por se tratar de ato inconstitucional em relação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996.


Barradas pela sociedade organizada, tais iniciativas aproximam o cenário do neoconservadorismo global, que inspira o governo brasileiro, do pressuposto segregacionista de que Pessoas com Deficiência são geneticamente inferiores para conviver harmonicamente em uma sociedade dita “normal”.


Caso fossem aprovadas, estaríamos retroagindo pelo menos 30 anos da luta de pais e educadores por uma escola e sociedade realmente inclusivas e democráticas. E andando para trás na história de forma bastante temerária.

A CONIVÊNCIA DE MÉDICOS E FUNCIONÁRIOS

United States Holocaust Memorial Museum - Copyright: Public Domain

Grupo de funcionários da Operação T-4 em uma reunião social

Usando uma prática desenvolvida para o programa de "eutanásia" infantil, em 1939, os planejadores do T4 distribuíram questionários a todos os funcionários de saúde pública, hospitais públicos e privados, instituições mentais e lares de idosos para doentes crônicos e idosos. A redação dos formulários e as instruções da carta de apresentação que os acompanhavam davam a impressão de que a pesquisa se destinava simplesmente a reunir dados estatísticos.


O propósito sinistro do formulário aparece, no entanto, na ênfase da incapacidade do paciente trabalhar e nas categorias que o inquérito exigia que as autoridades de saúde identificassem:


  • portadores de esquizofrenia, epilepsia, demência, encefalite e outros distúrbios psiquiátricos ou neurológicos crônicos
  • aqueles que não são de sangue alemão ou "aparentados"
  • os criminosos insanos ou aqueles acometidos por motivos criminais
  • pessoas que estiveram confinadas à instituição inquirida por mais de 5 anos


Sob o título de "especialistas" recrutados secretamente, os médicos —  muitos de reputação significativa — trabalharam em equipes de três para avaliar os formulários. Com base em suas decisões iniciadas em janeiro de 1940, os funcionários do T4 começaram a remover pacientes selecionados de suas instituições de origem e a transferi-los ao programa de "eutanásia" .


Poucas horas depois da chegada aos centros de eutanásia, as vítimas morriam nas câmaras de gás, disfarçadas como chuveiros. Funcionários do T4 queimavam os corpos em crematórios anexados às instalações de gás. Outros trabalhadores pegavam as cinzas das vítimas cremadas de uma pilha comum e as colocavam em urnas para enviar aos familiares das vítimas. Os familiares ou tutores das vítimas recebiam a urna, juntamente com uma certidão de óbito e outros documentos, listando a causa fictícia e a data da morte.


Fonte: United States Holocaust Memorial  Museum


Confira no quadro a seguir os números de mortos na Operação T4. Até 1941, com a autorização oficial de Hitler, mais de 70 mil pessoas morreram, entre elas muitas crianças. Na fase clandestina, de 1941 a 1945, estima-se mais de 250 mil mortos


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NÉVOA EM AGOSTO, UM FILME QUE CONTA ESSA HISTÓRIA

NÉVOA EM AGOSTO

Filme: Névoa em Agosto

Título original: Nebel im August

Categoria: Drama baseado em fato real

Lançamento: 2016, Alemanha, 121 min

Sinopse: No sul da Alemanha, início da década de 1940, um órfão de 13 anos, Ernst Lossa, tem sua natureza classificada como 'não educável' e acaba em um hospital psiquiátrico. Ele logo descobre que a gestão clínica do regime é matar sistematicamente os presos. Ernst tenta ajudar os presos com deficiência e planejar a fuga como questão de vida ou morte. O filme de Kai Wessel apresenta a história real de Ernst Lossa, retratada no livro de Robert Domes sobre o angustiante programa de eutanásia da ditadura nazista.

Direção: Kai Wessel

Elenco: Ivo Pietzcker, Sebastian Koch, David Bennent, Fritzi Haberlandt, Franziska Singer, Henriette Confurius, Jule Hermann, Juls Serger e Karl Markovics


Assista gratuito e dublado no:  

The Crown

Referências bibliográficas


Lipstadt, Deborah (2017) Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), São Paulo, Universo dos Livros


Oreskes, N. e Conway, E. (2000) Merchants of doubt, ̳Bloomsbury Publishing Estados Unidos, 2011


Schwarcz, L. M. e Starling, H. M. (2020) A Bailarina da Morte, São Paulo, Companhia das Letras


Palestras e documentários

  • Conferência de Deborah Lipstadt "Por Trás da Negação do Holocausto", TEDxSkoll, Abril 2017, neste link
  • Documentário Mercadores da Dúvida, de Robert Kenner, Sony Pictures, 2014, neste link
  • Documentário Para onde foram as Andorinhas?, de Mari Corrêa, produzido pelo ISA (Instituto Socioambiental) e Instituto Catitu, para a Conferência do Clima de Paris (COP-21), 2015, neste link

Nota

O espalhamento de mentiras e de negacionismo pode ocorrer por desinformação ingênua ou pela prática de misinformation (termo em inglês que define a intenção deliberada de propagar informação enganosa). A desinformação pode ser espalhada por boatos falsos, insultos ou pegadinhas. Já a desinformação deliberada ou misinformation é praticada por meio de embustes, spearphishing (golpes eletrônicos), fake news (mentiras), teorias de conspiração, propaganda, deepfakes, hoaxes, fraudes, photoshops e propagandas de difusão automatizada (bots ou robôs) nas redes sociais. O objetivo é gerar medo e desconfiança na população por meio de ferramentas de marketing e inteligência artificial voltadas à manipulação política ou ideológica.
Fontes: https://en.unesco.org/

dictionary.cambridge.org/

Referências bibliográficas

Lipstadt, Deborah (2017) Denying the Holocausto: The Growing Assault on Truth and Memory (Negando o Holocausto: O Crescente Ataque à Verdade e à Memória), São Paulo, Universo dos Livros

Oreskes, N. e Conway, E. (2000) Merchants of doubt, Bloomsbury Publishing Estados Unidos, 2011

Schwarcz, L. M. e Starling, H. M. (2020) A Bailarina da Morte, São Paulo, Companhia das Letras

Palestras e documentários

Conferência de Deborah Lipstadt "Por Trás da Negação do Holocausto", TEDxSkoll, Abril 2017, neste link

Documentário Mercadores da Dúvida, de Robert Kenner, Sony Pictures, 2014, neste link

Curta-metragem "Para onde foram as Andorinhas?, de Mari Corrêa, produzido pelo ISA (Instituto Socioambiental) e Instituto Catitu, para a Conferência do Clima de Paris (COP-21), 2015, neste link

Nota 1

Sobre os registros da disseminação do documento Os Protocolos dos Sábios de Sião, ver publicação em United States Holocaust Memorial Museum neste link

Nota 2

O espalhamento de mentiras e de negacionismo pode ocorrer por desinformação ingênua ou pela prática de misinformation (termo em inglês que define a intenção deliberada de propagar informação enganosa). A desinformação pode ser espalhada por boatos falsos, insultos ou pegadinhas. Já a desinformação deliberada ou misinformation é praticada por meio de embustes, spearphishing (golpes eletrônicos), fake news (mentiras), teorias de conspiração, propaganda, deepfakes, hoaxes, fraudes, photoshops e propagandas de difusão automatizada (bots ou robôs) nas redes sociais. O objetivo é gerar medo e desconfiança na população por meio de ferramentas de marketing e inteligência artificial voltadas à manipulação política ou ideológica Fontes: https://en.unesco.org/

dictionary.cambridge.org/

[1] Guga Dorea é jornalista e sociólogo, com mestrado e doutorado em Sociologia pela PUC-SP. Atua como investigador social e pesquisador na área da Filosofia da Diferença. É formador de professores para a inclusão, além de idealizador e desenvolvedor, desde 2012, da  Oficina da Palavra e da Escrita Criativa Todos na Diferença para Pessoas com Deficiência, entre outras pessoas que queiram construir suas histórias de vida através da escrita. É também pai do Thiago, que tem a Síndrome de Down, e da Joyce. É autor dos livros "Singularidades Poéticas" e "A Síndrome de Down como você nunca viu: relato profundo de um pai educador".

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